Autoridades, especialistas e empresários do transporte participam de palestras e painéis com foco em práticas sustentáveis e experiências bem-sucedidas
O ITL (Instituto de Transporte e Logística) promoveu, na quarta-feira (9), mais uma edição do FIT – Fórum ITL de Inovação do Transporte. Com participação de autoridades, especialistas e empresários do setor, o evento ocorreu presencialmente na sede do Sistema Transporte (CNT, SEST SENAT e ITL), em Brasília, além de ter sido transmitido pelo YouTube da CNT. Patrocinaram a iniciativa: Itaú, Norsul, Transpocred, Unimar, WLM e Anamar.
O evento também contou com o apoio do IBMEC, do IGCP (Instituto Latino-Americano de Governança e Compliance Público), além dos movimentos A Voz Delas e Vez e Voz, que promovem a inclusão e a diversidade no setor.
Os trabalhos foram abertos pelo presidente do Sistema Transporte, Vander Costa, que refletiu sobre o amadurecimento da temática sustentável entre transportadores. “Antes, era comum falar que a sustentabilidade visava o futuro, que era sobre o mundo a ser legado a nossos netos. O discurso mudou. Estamos falando sobre o presente e a decisão de implantar a agenda ESG (ambiental, social e governança) cabe a vocês, que estão participam deste Fórum”, instigou.
O presidente Vander Costa apresentou diversas ações do Sistema Transporte alinhadas aos pilares ESG e aproveitou a oportunidade para comentar a recém-sancionada Lei do Combustível do Futuro (PL nº 528/2020), que incentiva a mobilidade de baixo carbono. “O Sistema Transporte se compromete com a transição energética. É nosso papel trazer subsídios para a escolha mais adequada à realidade do país. Entendemos que são várias as rotas tecnológicas, passando pelo uso de gás natural, metano e diesel verde (HVO), entre outros, à exceção do biodiesel (de base éster), problemático para os motores usados no Brasil”, pontuou.
A Lei do Combustível do Futuro também foi mencionada pelo diretor-presidente substituto da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), Tiago Sousa Pereira, que confirmou a disposição do modal aéreo em adotar amplamente o SAF (Combustível Sustentável de Aviação). “A OACI (Organização Internacional de Aviação Civil), que é um órgão vinculado à ONU, foi pioneira em estabelecer metas para a aviação civil e estipula a descarbonização completa até 2050”, afirmou, ressaltando que o SAF é parte da estratégia.
De acordo com ele, o uso doméstico desse combustível tem um desafio adicional, que é o custo. “Há um certo trade off entre a capacidade de descarbonizar, ou seja, a capacidade de oferta de SAF, e um valor que o consumidor do transporte aéreo consiga arcar. A Anac atua de forma muito próxima aos ministérios de Minas e Energia e de Portos e Aeroportos de forma a criar um ambiente regulatório que estimule a produção de SAF”, garantiu.
Desenvolvimento e sustentabilidade
Ainda durante a mesa de abertura, o diretor da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), Alber Vasconcelos Neto, falou sobre desenvolvimento sustentável do ponto de vista do transporte aquaviário. Ele lembrou que a autarquia, recentemente, criou a Superintendência de ESG e Inovações. Além disso, entregou um diagnóstico sobre o nível de preparo dos portos no procedimento de OPS (Onshore Power Supply), em que, na atração, os navios podem utilizar energia elétrica do porto em vez de funcionar a diesel. “Agora, estamos trabalhando em um inventário nacional de emissão de gases de efeito estufa, que será em forma de painel, e, para isso, contamos com a CNT, que é um parceiro de primeira hora”, finalizou.
“Não há de se falar de dicotomia entre desenvolvimento e sustentabilidade”, provocou Felipe Queiroz, diretor da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), em sua participação. De acordo com ele, a Agência elevou a sustentabilidade a um valor prioritário em sua estratégia – “e isso se desdobra em iniciativas”. Queiroz cumprimentou o Sistema Transporte pelo Despoluir, “programa que, de maneira vanguardista, promove a descarbonização do setor antes de o tema chegar à agenda pública”.
Sobre a infraestrutura de transporte do país, o diretor da ANTT lembrou a insuficiência de investimentos públicos e privados para superar a defasagem. “Do ponto de vista da Agência, a questão é como criar um sistema de incentivos nos contratos de concessões rodoviárias e ferroviárias para que os investimentos em infraestrutura possam servir de plataforma para uma agenda de sustentabilidade”. E completou: “Hoje, se você não tem essa agenda, você sequer se senta à mesa de funding. É condição sine qua non”.
Em seguida, discursou Larissa Amorim, diretora de Sustentabilidade no Ministério dos Portos e Aeroportos, que foi aplaudida ao reivindicar maior presença feminina em fóruns como o FIT. Em seguida, falou sobre a multiplicidade de caminhos para avançar nas diretrizes ESG. “A solução para o nosso futuro não é única. Não há de se falar em um único combustível, um único setor, um único modal. Temos de dar as mãos e construir juntos”, ponderou. “Precisamos de corredores logísticos verdes, sustentáveis e eficientes. Um porto não é nada sem rodovias e ferrovias. Da mesma forma, não adianta aumentar os quilômetros navegáveis das hidrovias sem a integração necessária”, exemplificou.
Cloves Benevides, subsecretário de Sustentabilidade no Ministério dos Transportes, ressaltou que a CNT se apresenta como parceira estratégica da pasta “também na perspectiva da sustentabilidade”, e enfatizou o papel da entidade nas discussões sobre a resiliência da infraestrutura de transporte frente às mudanças climáticas. “Hoje, sustentabilidade não é um debate que se ajusta ao tema do desenvolvimento – é uma premissa para o planejamento de empreendimentos e da implantação da infraestrutura”, diagnosticou. “Além de aferir o lucro devido e lícito, é preciso garantir um processo de proteção aos meios de vida e a estratégia de desenvolvimento como um todo”, finalizou.
A mesa de abertura foi concluída com a fala do deputado federal (PT-PI) Flávio Nogueira, que remontou à origem do ESG, quando o então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, mencionou o tripé ambiental-social-governança para agentes do mercado financeiro. “O planeta está apresentando a conta da degradação”, alertou. Nogueira reforçou, ainda, que o Parlamento está atento à problemática. “Ficamos muito satisfeitos com a aprovação da já mencionada Lei do Combustível do Futuro. É um começo, mas temos de estar atentos no Congresso. Sou presidente da Frente ESG na Prática e estou disponível para trabalharmos juntos”, convidou.
Palestras e painéis
A programação do FIT seguiu com palestras e painéis ao longo do dia. O professor Fabricio Soler, do IBMEC, falou sobre “Oportunidades da integração da agenda ESG nos negócios”. Advogado especialista em Direitos dos Resíduos, Direito Ambiental e ESG, ele deu uma aula sobre como o setor de transporte deve mapear seus impactos e elaborar uma matriz de materialidade.
“É fundamental ter o CEO sentado à mesa para o tema ESG prosperar nas organizações”, defendeu. “Uma política verdadeira pede recursos, investimentos. Aí as pessoas perguntam se não é muito caro (adotar a agenda ESG). Adotar fica caro só para quem não fez nada nos últimos 15 anos. Para quem fez, é apenas uma questão de adequação”, expôs Soler.
Em seguida, ele sugeriu aos CEOs algumas perguntas para avaliar o estado de prontidão de seus negócios em relação a questões ambientais, sociais e de governança. São elas:
- Quais são as principais questões ESG que afetam o negócio? Elas se tornarão pontos inegociáveis para o crescimento futuro?
- Estamos implementando com sucesso as mudanças necessárias para melhorar nosso desempenho ESG e evitar obstáculos futuros?
- Estamos nos antecipando às mudanças para nos posicionarmos melhor com investidores e outros stakeholders?
- Temos dados suficientes para tomar boas decisões a respeito de ESG? Atualizamos constantemente essas bases de dados?
- Nossa visão sobre as questões presentes e futuras impactam as decisões estratégicas e os processos de inovação?
- Quais são os custos associados ao plano ESG e como financiar essas mudanças?
- Quais são os retornos econômico-financeiros esperados das diversas ações ESG desenvolvidas pela empresa?
Ainda no período da manhã, ocorreu o painel “Práticas ambientalmente sustentáveis: o presente e o futuro do transporte”, mediado pela gerente executiva ambiental da CNT, Erica Vieira Marcos. Na ocasião, Rafael Mendes, gerente de Qualidade, Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Sustentabilidade da Norsul, destacou as inovações do grupo em eficiência energética marítima. As embarcações atuais performam excepcionalmente graças à combinação de algumas tecnologias, tais como placas solares, sistema PBCF (propeller boss cop fins) e tintas anti-incrustantes.
Fábio Luiz Guido, gerente de Sustentabilidade e Estratégia ESG do Itaú Unibanco, contou que o banco tem um Grupo de Trabalho interno focado em ajudar o setor de transporte na jornada de descarbonização. Ele mostrou, também, o portfólio de produtos “verdes”, tais como green bonds, títulos ESG onshore e offshore, assessoria para operar no mercado de carbono, entre outros. O banco, que é pioneiro em ecossistemas de inovação, agora dispõe também do Cubo ESG, hub de 34 startups voltadas aos desafios da sustentabilidade.
O diretor-presidente da Braspress, Urubatan Helou, apresentou iniciativas da transportadora em responsabilidade social, governança, gestão de resíduos, gestão hídrica, eletrificação da frota e cuidado com as pessoas. Um dos carros-chefe da empresa são os CAOBs, Centros de Apoio Operacional Braspress. Essas estruturas foram desenvolvidas com o objetivo de descentralizar a logística, o que reduz os deslocamentos nas operações urbanas e, consequentemente, incrementa a qualidade de vida dos colaboradores envolvidos.
A primeira etapa do fórum foi encerrada com o painel “ESG e valor corporativo: a nova fronteira no transporte sustentável”, mediado por Ana Lucia Melo, diretora adjunta do Instituto Ethos. Maria Clara Fernandes, gerente de Sustentabilidade da VLI, apresentou a matriz de materialidade da empresa e, em seguida, compartilhou o Estação de Memórias. Trata-se de um projeto de resgate e valorização da cultura ferroviária, em que antigas estações são convertidas em centros de memória e preservação.
Vinicius Morreli Braga, gerente de ESG, Sustentabilidade, Saúde, Segurança e Qualidade da Patrus, falou sobre a certificação Empresa B, aferida pelo Sistema B a companhias que visam como modelo de negócios o desenvolvimento social e ambiental. “É uma régua mais alta, de alto desempenho, que mede aquilo que se faz além da legislação”, definiu o gerente. Uma das iniciativas que habilitaram a Patrus a alcançar esse status foi a criação, em 2008, do Instituto Marum Patrus, voltado à filantropia. Braga também falou sobre o Psiu (Programa Social de Inclusão Unificado).
Por fim, Daniel Torres, coordenador de Meio Ambiente da Rumo Logística, evocou a ancestralidade para falar sobre o PBA-CI (Plano Básico Ambiental do Componente Indígena). Em geral, o PBA é um instrumento para alcançar o licenciamento ambiental. Já o recorte dado ao componente indígena é essencial, pois, com frequência, a malha ferroviária atravessa áreas com presença de povos tradicionais. O projeto, que Torres gosta de chamar de “ESG na prática”, é composto por 7 programas e 54 linhas de ação – e é desenvolvido em 14 aldeias.
Family business e plano de sucessão
A programação do FIT incluiu, ainda, mesas e apresentações sobre family business e planejamento sucessório. A temática é especialmente importante para o setor de transporte, em que muitas empresas se constituíram como negócio familiar e, hoje, sentem necessidade de profissionalizar a gestão. Nessa etapa, palestraram Luiz Otávio Goi, professor do IGCP, e Ana Silvia Resende, da Alma Consultoria.
Cases de transportadoras foram compartilhados na mesa “Governança e sucessão familiar: desafios e soluções”, que contou com intervenções de: Ricardo Vaze (Grupo Águia Branca), Gustavo Rodrigues (JCA), Thiago Santos (Grupo Unimar) e Anali Teixeira Goto (Anamar Transportes). Coube à diretora adjunta do ITL, Eliana Costa, mediar a conversa.
O Fórum se encerrou com as participações de Gislaine Zorzin, do movimento Vez e Voz, e Ebru Semizar, do movimento A Voz Delas. Ambas são defensoras ativas de um setor de transporte com maior participação feminina e, sobretudo, mais preparado para recepcionar as mulheres em cargos que não sejam somente administrativos.