A troca de gerações é um momento delicado para empresas familiares. O tema foi abordado em profundidade na quarta edição do Fórum ITL de Inovação do Transporte
“Sucessão não é um evento – é um processo”, ensina Ana Silvia Resende, sócia da Alma Consultoria. Especialista em governança, negócios familiares e planejamento sucessório, ela conduziu a palestra magna do FIT, o Fórum ITL de Inovação do Transporte, realizado em 9 de outubro, na sede do Sistema Transporte, em Brasília (DF).
O tema é de especial interesse do setor de transporte, constituído, em sua maior parte, por empresas de origem familiar. Para o público do FIT, Ana Silvia deu uma verdadeira aula sobre a dinâmica envolvida nessa transição entre gerações. “Muitas vezes, a gente pensa na mudança do CEO como uma ‘troca de rei’, mas é muito mais complexo do que isso.”
Segundo ela, há três pilares que não podem ser negligenciados:
- A parte patrimonial – como será a transferência dos ativos?
- A liderança executiva – como será a sucessão de papéis?
- A transferência de competências – como se dará?
Cada um desses pontos se desdobra em outras perguntas, que, serão respondidas no plano de sucessão. O objetivo é blindar a empresa da confusão que se instala quando uma liderança falece de forma inesperada. Quando existe uma preparação prévia, a família consegue viver o luto pela pessoa e o impacto ao negócio é minimizado.
Por isso, o planejamento de sucessão deve ser feito precocemente. “Se você quer passar o negócio para os seus filhos, comece hoje. Não importa a idade deles. Quanto mais tempo você tiver para planejar, melhor”, aconselha a especialista.
Se tudo der certo, o sênior, no auge de sua experiência, vai passar o bastão gradualmente para um sucessor que desponta. Essa passagem merece cuidado especial. Ana Silvia Resende recomenda:
- o aspirante a líder precisa ter oportunidades para mostrar competência;
- o processo tem de ser claro e transparente;
- deve-se contratar ajuda externa para garantir a imparcialidade;
- não tentar “clonar” o líder atual;
- deve-se considerar a transição para externos, caso não haja familiares aptos.
O sucedido também pede um tratamento diferenciado, para que a saída não seja sentida como uma perda e seu conhecimento do mercado não seja desperdiçado. Com frequência, ele ingressa no Conselho Administrativo. Pode-se preservar sua sala, por exemplo. “Essa pessoa deve mapear as atividades de interesse fora do negócio e desenhar o seu segundo ato”, pondera a consultora. Ana Silvia Resende ressalta que membros familiares podem ter diferentes papéis no sistema da empresa familiar. Uns podem ser apenas acionistas, outros se tornam membros das instâncias de governança. Finalmente, há aqueles de perfil executivo, que vão tocar o negócio no dia a dia. Essa distribuição de funções deve atender a diferentes necessidades: do negócio, da família e do indivíduo.
Para ilustrar os fluxos de informação e facilitar a implementação da governança, a professora gosta do chamado “Modelo das 4 salas”, difundido pela Escola de Negócios de Harvard. Nele, nós temos:
- A Sala dos Acionistas;
- A Sala do Conselho de Administração;
- A Sala da Gestão.
Os acionistas informam o Conselho. O Conselho informa o CEO. Porém, todas as salas se comunicam com:
- A Sala da Família.
“Outra coisa que faz uma diferença brutal é estabelecer uma política de trabalho familiar. Ali você deixa claro qual é o critério de ingresso — e, também, o de saída. Para quem está entrando, ajuda muito a saber o que é esperado. Isso esvazia uma quantidade de conflitos que você nem imagina”, garante. “Por fim, é importante dizer que os desafios das famílias empresárias são muito similares, mas as soluções são únicas, pois cada família tem sua cultura e a individualidade das pessoas deve ser considerada”, conclui.
Painel reuniu empresários
Durante o FIT, a temática dos negócios familiares se desdobrou no painel “Governança e sucessão familiar: desafios e soluções”, mediado pela diretora adjunta do ITL, Eliana Costa. Nessa etapa, foram compartilhados cases bem-sucedidos de transportadoras.
Ricardo Vaze, diretor de Governança e Jurídico do Grupo Águia Branca, mostrou a evolução da governança da empresa ao longo dos anos, colocando como marco inicial a criação de cinco holdings familiares, em 1987. “Foi nessa ocasião que os fundadores doaram suas ações para a segunda geração, cujos membros eram jovens”, relembrou.
Sucessivamente, foram instalados: o Conselho de Administração (1993); o Conselho Vix (2007); o Conselho de Acionistas (2014); entre outras estruturas de governança. Vaze compartilhou, ainda, a estrutura do Programa Trainee, dedicado à formação das novas gerações de acionistas. Por sua vez, o desenvolvimento dos membros plenos da segunda e da terceira gerações (projeto Gerações em Movimento) se dá com o apoio da consultoria Cambridge Family Enterprise Group. “Recomendo ter alguém independente, que possa olhar de fora”, pontuou.
A trajetória de governança do Grupo JCA é bem particular e foi remontada pelo diretor-presidente da empresa, Gustavo Rodrigues. Executivo profissional, ele não é membro da família fundadora, mas conheceu de perto o patriarca e acompanhou intuito dele de levar a cabo um plano de sucessão. Porém a iniciativa foi interrompida bruscamente, com o falecimento do líder em um acidente.
“Construímos uma declaração de propósitos logo após a passagem do fundador. Ele tinha a estratégia empresarial de forma inata. Eu acompanhei esse processo de transição e, posso dizer, é muito importante se preparar”, destacou Rodrigues. Em seguida, ele compartilhou um modelo de diagnóstico do negócio para a governança, aprendido na IESE Business School. Consiste em três linhas de ação:
- Estratégia (fundamentos, objetivos corporativos, posicionamento no mercado, inovações e crescimento etc.).
- Estrutura (organização interna, cultura organizacional, fluxos de comunicação, sistema de controle etc.).
- Governança (engajamento e alinhamento dos acionistas, políticas de governança, responsabilidade social, sucessão etc.).
Thiago Santos, diretor de Estratégia Corporativa do Grupo Unimar, lembrou que, ao olhar a base do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 90% das empresas brasileiras são familiares, sendo que apenas 30% alcançam a terceira geração. E explicou que a estrutura atual da companhia, sob uma holding controladora (Unigroup), é, por si só, um exemplo de governança.
“Não sou membro da família, sou fruto de um programa de novos talentos, que culminou na criação do Comitê de Gestão, em 2015. Esse comitê visava um modelo híbrido de gestão para empresa, focado na sucessão. Nesse grupo, existiam membros da sucessão familiar e membros escolhidos pelos sócios sob o ponto de vista técnico”, detalhou.
“Naquele momento, foram destacados quatro executivos — dois deles de perfil técnico e dois deles do Comitê Familiar. A ideia foi justamente fazer essa transição, promovendo uma troca de experiências e trazendo um pouco dos valores vislumbrados pelos sócios e, também, com a visão do chão de fábrica, da linha de frente do negócio”, continuou.
Coube a Anali Teixeira Goto finalizar os debates com o caso da Anamar Transportes. Uma das herdeiras, Anali testemunhou o impasse da empresa diante do falecimento súbito do fundador, seu pai. Ela alertou sobre a importância de se ter liquidez durante o momento do inventário, em que parte do patrimônio fica habitualmente indisponível, e sobre os custos inerentes ao processo, seja em honorários advocatícios, seja em recolhimento de ITCMD, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, que pode chegar a 8% do patrimônio, a depender do estado.
Em seguida, ela demonstrou a economia proporcionada pela adoção de uma ferramenta menos conhecida, que é o seguro de vida vitalício, que a depender da idade de contratação, distribui um prêmio vantajoso para as partes.
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